Coluna do Braulio Lara -  Transporte Coletivo sob uma perspectiva liberal

Coluna do Braulio Lara – Transporte Coletivo sob uma perspectiva liberal

Um dos grandes desafios da atualidade que as cidades têm que enfrentar é o transporte
coletivo dentro da mobilidade urbana. Como organizar o sistema em prol de um melhor
serviço ao cidadão a um custo acessível que permita a população se locomover, ter acessos
aos serviços e infraestrutura, e por fim ser motivada a abandonar as soluções individuais e usar
mais as coletivas? Esse artigo não é uma revisão histórica e muito menos uma análise dos
diversos modelos implantados. Trata-se apenas de uma visão futura de como implantar um
sistema de transporte coletivo sob uma perspectiva liberal.


O liberalismo econômico tem como um dos grandes pilares a livre concorrência entre
empresas em um mercado aberto. Assim, cada uma pode definir o seu produto ou serviço,
resolver sua estratégia de preços e atuar no mercado, sujeita ao julgamento do consumidor,
que vai definir se o preço é ou não justo, a partir do seu livre arbítrio de consumir ou não
daquele vendedor. Por outro lado, considerando que as cidades têm como recurso escasso a
área do território, a livre iniciativa no transporte coletivo sem nenhuma regulação é uma
utopia. Uma vez que se, por hipótese, todo indivíduo optar, ao mesmo instante, por uma
solução individual de transporte, as grandes cidades, teriam suas vias colapsadas. Seria como
um infarto em veias entupidas. Diante do caos, seria necessário eleger um representante da
coletividade para coordenar o uso do plano territorial, provando assim que o Estado precisa
exercer um papel regulador no sistema. Mas o sistema tem como conjugar princípios liberais
mesmo que assistidos pelo Estado.


O primeiro passo é acabar com os oligopólios e monopólios no setor de transporte público.
Assim, o primeiro pilar é estabelecido sobre os Operadores de Transporte. O sistema deve
permitir que mais empresas entrem para concorrer pela prestação de serviço. Assim, o modelo
de concessão é substituído por um sistema de credenciamento e com contratos de prestação
de serviço que priorizem o usuário, permitindo que sejam encerrados de forma mais rápida
caso sejam constatados descumprimentos contratuais e queda de qualidade (pontualidade,
lotação dos ônibus, manutenção de equipamentos, idade da frota, etc.). Uma forma de fazer
isso é estruturar o contrato de prestação de serviço de operação de transporte vinculado ao
quilômetro rodado. Assim, o prestador de serviço não ficaria com o risco de ter ou não o
passageiro em determinados pontos da cidade ou em determinados horários do dia. A
responsabilidade dessa assertividade passaria a outro pilar do sistema que é a Engenharia de
Transporte.


A Engenharia de Transporte é o pilar responsável pela programação de todo o sistema: rotas,
horários, tamanho dos veículos, etc. Ele é capaz de definir a instalação de infraestrutura de
transporte coletivo em regiões para futura expansão, definir o uso de linhas com ônibus
maiores ou menores, criar linhas regionais integradoras, otimizar linhas por meio da
simplificação e racionalização de linhas sobrepostas. Definir a utilização de outros modais de
transporte que complementem a mobilidade como o uso de metrô, VLT, Maglev ou o
promissor Metrocable. Apesar de ter um controlador do sistema, todo esse trabalho de
otimização pode ser disputado por empresas de tecnologia que podem concorrer por entregar
o melhor serviço pelo melhor preço. Sem contar nos laboratórios de pesquisa que podem
atuar de forma conjugada sempre buscando identificar melhorias. Enfim, a Engenharia de
Transporte é o pilar que exerce a inteligência de ajustar o sistema a cada capítulo da cidade.
Obtendo dados de uso por meio de catracas inteligentes, rastreamento de GPS de veículos e
usuários, ou seja, utilizando toda a tecnologia existente para ajustar o melhor formato para o
sistema de transporte. Afinal, a cidade é um organismo vivo e à medida que vai mudando,
necessita de adequação. Quem nunca viu problemas de ônibus em regiões novas vizinhas de
regiões mais antigas que simplesmente não se comunicam? Problemas que não se resolvem
pois estão amarrados em concessões acertadas décadas atrás. Por outro lado, quanto mais
serviços disponíveis (mais linhas e mais horários) mais caro fica o sistema. E aí temos o terceiro
pilar que é a Bilhetagem.


A Bilhetagem é o pilar responsável pela arrecadação de recursos para custear o sistema
desenhado pela Engenharia de Transporte (Pilar 2) e operado pelos Operadores de Transporte
(Pilar 1). Da mesma forma, a bilhetagem tem que funcionar de forma independente
permitindo inclusive a concorrência entre empresas distintas. Observe hoje a operação de
cartão de crédito e débito. Cada estabelecimento comercial pode optar por sua maquininha. E
todas elas conseguem receber dos clientes e creditar valores aos prestadores de serviço. Como
cada uma tem sua estratégia de taxas e valores, a escolha fica na mão de quem contrata.
Pensando na bilhetagem, várias empresas podem estar credenciadas a prestar o serviço ao
“Pilar 1” e entregando dados e informações ao “Pilar 2”. A concorrência cria uma redução de
preço natural e um desenvolvimento maior das empresas atuantes no segmento. Melhores
serviços por um preço menor. Uma bilhetagem independente pode inclusive quebrar com
alguns tabus que observamos no transporte coletivo brasileiro, mas que já são amplamente
usados em outros países. Por que a pessoa não pode comprar um bilhete de transporte em
aplicativos, sites ou em bancas de jornal? Por que a pessoa não pode comprar um bilhete que
lhe permita andar livremente durante um dia, semana ou mês? Por que uma área da cidade
com interesse social de habitação não pode ter uma tarifa diferenciada (subsídio pontual)?
Com uma bilhetagem independente da operação do serviço do Pilar 1, e que hoje fica
aglutinada dentro das concessões, pode-se desenvolver formas mais inteligentes para integrar
o interesse dos usuários, os modais de transporte e as políticas urbanas da cidade.
Todos esses pilares atuam de forma conjugada dentro de uma gestão da mobilidade. O Estado
mantem seu papel de coordenar e dar transparência à sociedade em cada um dos seus atos.
Por que é tão difícil hoje saber o custo das empresas de transporte para validar se a tarifa é
justa ou não? Por que é tão difícil ter acesso aos dados de origem e destino de cada um dos
deslocamentos feitos na cidade para se estudar melhores soluções de transporte? Por que é
tão difícil flexibilizar a forma de comprar um bilhete?


Se realmente queremos nos desenvolver na mobilidade é preciso buscar respostas para essas
perguntas. E certamente a estruturação do sistema sob uma perspectiva liberal nos levará ao
caminho correto. É preciso ter um ambiente mais aberto e concorrencial. Mas o sistema
depende de ser subsidiado para funcionar? Com certeza sim, mas um subsídio responsável. O
certo é que monopólios e oligopólios somente nos levam para serviços cada vez piores por
preços maiores. Sem contar nas relações escusas que os grandes operadores detentores de
concessões começam a formar com governantes. Para variar, no fim da linha, está a população
sendo prejudicada. Quem tem condição se vira com soluções particulares. Quem não tem…

Braulio Lara, vereador (NOVO), ex-presidente da Associação de Moradores do Buritis, professor do UniBH e empresário.

Contato:
[email protected]
@brauliolaranovo
(31) 99553-9951


  • Miguel Angelo Pricinote

    Miguel Angelo Pricinote

    3 de maio de 2022

    Nobre professor e vereador. Sua análise em certo ponto esta correta em relação ao fato do livre mercado ser mais eficiente que o poder público. Em relação aos três pilares o senhor também foi bastante assertivo. Mas infelizmente o senhor cometeu uma terrível falácia.

    Explico: mesmo sendo de responsabilidade do município o transporte é considerado um direito público essencial e portanto deve ser garantido pelo Poder Público, logo somente por meio de uma emenda constitucional é que o transporte pode deixar de ser uma concessão para se tornar um livre mercado. E aí mora a falácia da sua fala: como vereador ao invés de propor ações concretas que poderiam trazer modernidade e mais qualidade ao serviço (como está ocorrendo em Goiânia) fica escrevendo frases de efeitos que não possuem nada de concreto.

    E por último, chega a ser irônico, um vereador (parasita estatal que se remunera dos impostos roubados da população) falar em livre mercado. Então uma excelente iniciativa seria propor a redução no número de vereadores e/ou a renúncia de toda remuneração recebida via dinheiro público.

    Miguel Angelo Pricinote
    Coordenador Técnico do Mova-se Fórum de Mobilidade
    http://www.mova-seforum.com.br

Deixe seu comentário
Comentário
Name
Email

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.